Costumes Católicos
Os 'Meninos Bispos' do Dia dos Santos Inocentes
Ícone da Capela dos Santos Inocentes, Belém
E dolorosamente perplexo
Então ele deu a ordem para matar
E matou a criancinha
E matou a criancinha.
(Século XV, tr. G.R. Woodward)
Pudim branco com molho vermelho
em homenagem aos Santos Inocentes
Os sentimentos comoventes que encheram as almas de nossos antepassados católicos os inspiraram a dar atenção especial às crianças nesta festa, atribuindo-lhes privilégios especiais.
Em mosteiros e conventos, os membros mais jovens do mosteiro eram tratados com consideração especial e recebiam um tipo de "alimento infantil" na refeição da noite. Este prato era um mingau quente adoçado com açúcar e canela ou um pudim de cor clara coberto com um molho vermelho para honrar a pureza e o sangue dos Santos Inocentes. (1)
Os meninos-bispos
Nas escolas monásticas medievais, catedrais, igrejas paroquiais e capelas dos nobres, o coro ou os acólitos elegiam um menino-bispo (Episcopus Puerorum) que assumia o comando da abadia ou catedral durante todo o dia no Dia dos Santos Inocentes. Acredita-se que esse costume tenha se originado na Alemanha, onde, no século X, foi estabelecida a tradição de permitir que o baixo clero assumisse o comando em dias escolhidos.
Um menino bispo em procissão pelas
ruas de Bamburg, Alemanha
A véspera do Dia de São Nicolau (5 de dezembro) tornou-se o dia tradicional para eleger os bispos que ocupavam seu "ofício" até o Dia dos Santos Inocentes, quando realizavam seus principais deveres cerimoniais. (3)
Adornado com paramentos pontifícios próprios de seu "ofício," o menino-bispo desempenhava todos os deveres do clero normal, exceto o de rezar a Missa. Ele liderava procissões, presidia vésperas, dava bênçãos, fazia sermões e às vezes conduzia uma visitação. Durante o "reinado" do menino-bispo, vários meninos do coro eram selecionados para formar seu capítulo de "cônegos," e o grupo era frequentemente chamado de "Nicolau e seus clérigos." (4)
Meninos bispos em Montserrat, Espanha
Começando nas vésperas de 27 de dezembro, o menino-bispo e seus "cônegos" sentavam-se nas tendas dos cônegos superiores, enquanto estes desempenhavam os papéis habituais dos meninos como acólitos, turíferários e clérigos inferiores. Finalmente, na festa dos Santos Inocentes, o menino-bispo faz um sermão que havia sido escrito por um distinto Prelado. À medida que sua voz clara ressoava pela catedral, o povo era atraído a louvar a Deus que aperfeiçoou o louvor "da boca das crianças e meninos de peito." (Sl 8,3).
Essa inversão de papéis foi realizada com muito respeito, com atenção à dignidade do estado eclesiástico. Sempre sob a orientação e autoridade do clero, esperava-se que os meninos-bispos fossem bem-comportados e levassem seu papel a sério como representantes dos Príncipes da Igreja.
Tão sérios eram os privilégios dados aos meninos-bispos que até mesmo a realeza os respeitava. Em 7 de dezembro do ano de 1299, o Rei Eduardo I da Inglaterra permitiu que um menino-bispo com seus "cônegos" cantasse vésperas para ele em sua capela em Hetton. (6)
Imitando essa prática, muitos mosteiros e conventos permitiram que os jovens membros do noviciado governassem o dia. Nos mosteiros franciscanos, um jovem monge era eleito para ser o "Inocente," cujo papel era tomar o lugar do Abade presidindo as orações e pregando um sermão. (7)
Representação medieval da ‘festa dos tolos’
A Espanha e os países que ela influenciou (Bélgica, América Latina, Filipinas) celebravam esta festa como um Dia dos Tolos com as piadas e brincadeiras tradicionais. Monarcas ou prefeitos falsos eram frequentemente eleitos, enquanto os mascarados andavam pelas ruas fazendo travessuras. Os brincalhões eram chamados de inocentadas e suas vítimas recebiam o nome de inocentes.
Muitos desses costumes ainda são preservados hoje. Espera-se que as pessoas de Yeste paguem uma multa aos mascarados (calentureros) que aparecem com máscaras elaboradas e chicotes para perseguir aqueles que se recusam obstinadamente a pagar. Na Catalunha, um prefeito falso é escolhido cuja principal tarefa é forçar as pessoas a limpar as ruas. Enquanto o prefeito governa, fogueiras são acesas nos portões da cidade e qualquer visitante que entra na cidade é obrigado a pagar um pedágio. (8)
Lamentação por Raquel que chora seus filhos
Alegre júbilo é acompanhada por um espírito sombrio de luto nesta importante Festa. Pois, enquanto os Inocentes se alegravam em sua glória recém-descoberta, suas mães lamentavam e choravam pela perda de seus entes queridos.
No passado, na Inglaterra, este dia era chamado de “Dia da Cruz” e os sinos eram tocados em tons abafados. Na vila de Norton, em Worcestershire, a tristeza e a alegria do dia eram unidas no repique dos sinos que eram primeiro abafados como um sinal de luto e, em seguida, feitos para repicar tons alegres para celebrar a libertação do Menino Jesus. (9)
As mães choram a morte dos seus filhos
O horror do massacre fez com que muitos medievais da Inglaterra e da França considerassem este um dia de muito azar. De acordo com a antiga tradição, qualquer novo empreendimento iniciado neste dia nunca alcançaria a realização. Da mesma forma, havia um mau presságio para qualquer homem que trabalhasse, se casasse, lavasse ou usasse roupas novas neste dia.
Essa tradição foi levada tão a sério que, em 1460, quando a coroação de Eduardo IV caiu na festa dos Santos Inocentes, foi adiada para o dia seguinte. Trabalhadores em ocupações perigosas (pescadores, mineiros, etc.) frequentemente se recusavam a trabalhar neste dia. Os mineiros de chumbo de Northumberland mantiveram essa convicção até meados de 1800. (11)
Apesar da tristeza que esta festa traz, a alegria do nascimento de Cristo e a vitória dos Santos Inocentes triunfam no espírito de nossa Santa Mãe, a Igreja, que, embora seja mãe dos queridos mártires, ainda é filha dAquele cujo nascimento dissipa toda a tristeza. Com Nossa Mãe, devemos prestar a devida homenagem para “flores dos Mártires,” honrando de alguma forma as crianças católicas, que pelo seu Batismo são templos vivos da Santíssima Trindade e espelhos das crianças mortas pela cruel mão de Herodes.
- Evelyn Birge Vitz, A Continual Feast (San Fransisco: Ignatius Press, 1985), p. 158.
- Cristina Garcia Rodero, Festivais e Rituais da Espanha (Nova York: Harry N. Abrams Inc, 1994), p. 31.
- Steve Roud, O Ano Inglês (Penguin Books: 2006), p. 362.
- William S. Walsh, Curiosidades sobre costumes populares e ritos, cerimônias, observâncias e antiguidades (Philadelphia: J. B. Lippincott Company, 1898), p. 145.
- https://www.liturgicalartsjournal.com/2021/01/customs-and-traditions-boy-bishop.html
- W. S. Walsh, Curiosidades dos costumes populares, p. 145.
- Joanna Bogle, Um livro de festas e estações (Herefordshire, Inglaterra: Gracewing, 1992), p. 59.
- Violet Alford, Festivais dos Pireneus: costumes do calendário, magia e música, drama e dança (Londres: Chatto e Windus, 1937), p. 15.
- W. S. Walsh, Curiosidades dos costumes populares, p. 553.
- https://www.thebookofdays.com/months/dec/28.htm
- Bonnie Blackburn e Leofranc Holford-Strevens, The Oxford Companion to the Year (Nova York: Oxford University Press, 1999), p. 538.
Postado em 28 de dezembro de 2024
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